Qualidade em jornalismo: a palavra a dois premiados Os media são avaros a falar deles próprios. Nomeadamente quando o que se diz custa a ouvir ou a ler. Exemplo disso é o que foi dito na recente entrega dos prémios Gazeta de Jornalismo. Só há dias tive conhecimento do discurso que, nessa sessão, proferiu o jornalista Valdemar Cruz que, com José Pedro Castanheira, ambos do Expresso, viram ser-lhes atribuído o Grande Prémio Gazeta de Jornalismo. O trabalho premiado resultou de "uma pesquisa de dois anos, que começou com uma simples dica de um embaixador português acreditado em Havana. A partir daí foi o desfiar de um novelo fantástico que é a história de Annie Silva Pais, a filha única do último director da ex-Pide/DGS, que deixou o marido, a família e o país para se fixar em Havana, apaixonada por Che Guevara, pela revolução, pelo calor, a alegria e o encanto de Cuba e dos cubanos". As palavras são de Valdemar Cruz que, no discurso então feito teceu considerações relevantes sobre o lugar (ou a falta dele) da reportagem e da investigação no actual panorama jornalístico. Deixo aqui parte do que então disse, que expressam os seus pontos de vista e os do José Pedro: "Entre jornalistas, é quase um lugar comum dizer-se que a reportagem é o género mais nobre do jornalismo. O prémio que nos foi conferido demonstra, se acaso fosse necessário, que a reportagem escrita continua a ser capaz de se bater, de igual para igual, com a reportagem televisiva, apesar desta ser aparentemente mais sedutora e apelativa. Mostra que os repórteres são uma componente indispensável em todas as redacções. E, já agora, que haverá sempre lugar para jornalistas e repórteres seniores (...) É nestes jornalistas seniores, certamente que mais velhos, que repousa muito da experiência, da memória, da cultura, do equilíbrio, do distanciamento, da capacidade de reflexão, da atenção às questões do foro deontológico que tanta falta fazem a muitos dos nossos media. Estes jornalistas vêm do tempo em que uma das grandes reflexões suscitadas pela importância relativa dos jornais se traduzia na constatação de que no dia seguinte seriam muito úteis a embrulhar peixe. Porém, estes jornalistas sabiam e sabem que nada impede que o peixe seja embrulhado numa folha de rigor, preenchida com uma prosa verdadeira e escrita com elegância. Perante uma concorrência cada vez mais desenfreada e sem regras, perante a crescente desigualdades de meios técnicos, de recursos humanos e de investimentos entre a imprensa escrita e o audiovisual, a sobrevivência dos jornais e revistas passa fundamentalmente por uma informação mais completa: a explicação, a interpretação, a contextualização, o aprofundamento, o debate. Numa palavra, se se quiser: pela reportagem no seu sentido mais lato. Foi o que disse, ainda no mês passado, Juan António Giner, ao falar no congresso da Associação Mundial de Jornais e no Fórum Mundial de Directores, reunidos em Dublin. Para aquele consultor, bem conhecido em Portugal, a superação da crise que grassa na Imprensa escrita de quase todo o mundo passa por uma receita bem simples, composta por três ingredientes: «Conteúdo, conteúdo e conteúdo». O futuro do jornalismo impresso passa, na verdade, pela qualidade. Qualidade do trabalho - da pesquisa, da escrita, das fotografias, das infografias; qualidade dos temas e da forma de os abordar; qualidade do grafismo e da apresentação; qualidade dos critérios - desde a independência e o rigor, até ao cumprimento escrupuloso das regras deontológicas, ultimamente tão esquecidas na vertigem e na voragem que parecem ter-se apoderado de quase todos os media no tratamento do «caso Casa Pia». É a qualidade que acaba por distinguir, uma vez assente a poeira, os bons órgãos de Informação. Ela é a fronteira, a divisória definitiva entre imprensa, rádios, televisões e jornais electrónicos de referência, que respeitam e servem a opinião pública, dos que cultivam a facilidade, que cedem ao sensacionalismo, que se curvam a interesses económicos, políticos e desportivos, que confundem propositadamente o interesse público com o interesse do público. A cerimónia desta noite serve para louvarmos e premiarmos o jornalismo de qualidade. Mas não confundamos a árvore com a imensa floresta em que vivemos e que tende a alastrar perigosamente. Há uma exigência ética, que vem do âmago da nossa profissão, que nos deve levar a sermos implacáveis na crítica, no combate e na denúncia do falso e do mau jornalismo. Uma tarefa e uma responsabilidade que é de todos nós e de todos os dias."
0 resposta(s) para “”
Responder