Recordando a obra de Neil Postman Demos aqui, anteontem, a notícia da morte do Prof. Neil Postman, da Universidade de Nova Iorque. Gostaria de dizer um pouco mais sobre o seu pensamento. Não sou, propriamente, um adepto das teses que defendeu, as quais me parecem decorrer de uma visão elitista da sociedade, com laivos acentuados de determinismo tecnológico. Mas procuro captar o alcance de algumas das suas análises. Uma delas refere-se à abordagem ecológica dos media (*). A outra refere-se ao impacto das tecnologias, em particular da televisão, sobre a infância. Deixo, sobre este último ponto, a resenha que incluí no meu livro "A televisão no quotidiano das crianças" (Ed. Afrontamento, 2000): "A tese da diluição da infância (e da adultez) tem sido objecto de debate entre académicos, nomeadamente nos Estados Unidos, país onde vários autores têm relacionado esse fenómeno com a influência dos meios de comunicação electrónicos, especialmente da televisão. Uma das posições mais conhecidas sobre o assunto é a de Neil Postman, um professor de Ecologia dos Media, na Universidade de Nova Iorque, defendida nomeadamente numa obra que teve grande eco, intitulada "The Disapppearance of Childhood" (1982). Segundo Postman, observa-se nos nossos dias uma diluição das fronteiras entre adultos e crianças, expressa nomeadamente no vestuário, nos jogos, nos comportamentos sociais, no tipo de crimes, nas atitudes e na linguagem, precisamente os campos em que, na idade de ouro da infância, que ele localiza no período compreendido entre 1850 e 1950, mais se demarcavam as barreiras entre os dois mundos. Ao mesmo tempo, verifica-se o aparecimento daquilo a que o autor chama «o adulto-criança», uma nova espécie que se estende da primeira infância (isto é dos dois ou três anos até à senilidade), e se caracteriza por ser «um crescido cujas capacidades intelectuais e emocionais se encontram por realizar e não são significativamente distintas das que são associadas às crianças» (id.: 99). Este eclipse da infância atribui-o Postman ao ambiente criado pelos meios de comunicação electrónicos, cujas origens remontam à invenção do telégrafo eléctrico de Morse. Esses meios, ao dissociarem a ligação historicamente existente entre transporte e comunicação, eliminaram, de uma assentada, as noções tanto de tempo como de espaço, enquanto dimensões da comunicação humana (id.: 70). A difusão do cinema, da rádio, do gira-discos, do telefone e da TV representaram, na sua perspectiva, um «poderoso assalto à linguagem e à literacia e um repovoamento do mundo do pensamento com base em imagens e ícones [difundidos] à velocidade da luz» (id.: 73). O crescimento astronómico do volume de informação e da respectiva acessibilidade implicaram, nomeadamente com a televisão, o fim da possibilidade do respectivo controlo e gestão, quer na família quer na escola, e, com ele, a liquidação da linha divisória entre infância e vida adulta. A noção de aprendizagem, de gradualidade na descoberta dos segredos da vida, o conceito de pudor, de mistério e de iniciação, bem como o esforço na procura de respostas às questões do mundo e da vida - tudo isto desaparece no novo cenário de «portas escancaradas», proporcionado pela televisão e, em geral, pelos media electrónicos. Além disso, não só as crianças são frequentemente retratadas como adultos em miniatura - a exemplo do que acontecia com a iconografia medieval da infância, curiosamente - como, sobretudo, os adultos são insistentemente infantilizados ou «juvenilizados»: ?Não trabalham ou fazem-no de forma pouco séria, não têm envolvimento político, não têm prática religiosa, não representam qualquer tradição, não manifestam planos ou horizontes, não têm conversas demoradas e não há nada a que façam alusão que não seja familiar a um miúdo de oito anos (...) [Além de que] grande parte deles são aparentemente analfabetos? (id.: 127). (*) O que se entende por "media ecology"? Nas palavras do próprio Postman: ?Media ecology looks into the matter of how media of communication affect human perception, understanding, feeling, and value; and how our interaction with media facilitates or impedes our chances of survival.?
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