O "meu" 11 de Março Faz hoje um ano, sem qualquer razão aparente,acordei cedo. Encontrava-me a trabalhar na U. Autónoma de Barcelona, no âmbito da minha sabática. No pequeno apartamento que ocupava na "vila universitaria", em Bellaterra, onde deliberadamente não tinha TV, liguei um rádio de pilhas para ouvir as notícias das 7.30. O pivot da Cadena Ser, o conhecido Iñaki Gabilondo, creio, fez vagamente alusão a uma explosão numa linha ferroviária de cercanias, em Madrid, noticia que registei, mas a que, confesso, não prestei muita atenção. Nos minutos seguintes, novos dados. Primeiro, que do atentado teriam morrido duas pessoas. Em antena, entra uma repórter esbaforida informando que noutro ponto da rede de comboios teria havido nova explosão. Os dados foram chegando, o número de mortos aumentando e um quarto de hora depois, já se começava a ter a noção de que não estávamos perante um vulgar "atentado de ETA". De repente, as outras notícias eclipsaram-se e a emissão normal doi abafada pela torrente de elementos ainda fragmentários, mas cada vez configurando mais um puzzle terrível de tragédia. As vozes dos repórteres misturavam-se com gritos de pessoas e silvos de ambulâncias. Pelas 8 horas, eu tinha a clara noção de que se fosse jornalista no activo tinha eu próprio de estar já a caminho da Redacção ou, de qualquer modo, a receber instruções do meu editor. Preso ali no quarto, mandei um SMS ao director do Jornal de Notícias, para o alertar para a envergadura do caso. Escassos minutos depois, estávamos os dois ao telefone a trocar informações. As horas seguintes, a partir daquele momento, foram de verdadeira vertigem, com a sensação, cada vez mais nítida, de um acontecimento extraordinário que marca um antes e um depois na vida das pessoas e da sociedade. Nunca esquecerei a manifestação de Barcelona, no dia 12 ao fim da tarde, em que estive com Pilar e Jose Manuel Perez Tornero. Quase não se conseguia sair da estação de metro de Passeig de Gracià. Centenas de milhar de pessoas. Há quem diga que mais do que em Madrid, onde chovia, o que faz as manfs maiores. Na Catalunha, tinha havido a "bronca" política do encontro secreto de Carod Rovira com a ETA em Perpignan, de modo que muitos catalães quiseram mostrar, naquela hora, que estavam com Madrid. Mas havia, sobretudo, uma campanha eleitoral prestes a findar. E a sensação de que, naquele momento, se não dizia toda a verdade, dos lados de Aznar e do Gobierno. Mais: de que se procurava impor uma "verdade". Daí que, na manifestação, que deveria ter sido silenciosa, a palavra de ordem decidida na Moncloa - "Contra o terrorismo e pela Constituição", ou seja, contra a ETA - rapidamente degenerou no "Contra o terrorismo, sim à Paz", fazendo entrar em cena o Iraque, onde se encontravam os soldados espanhóis. Isto num dos países em que mais se destacara a contestação pública à invasão norte-americana. A sensação de que o povo estava a ser ludibriado - recordo-me ainda do mote "Queremos la verdad!", que ouvi ao fim do dia seguinte, ao cimo da Rambla de Catalunia, numa cacerolada - terá sido determinante na mobilização de uma geração de jovens eleitores que, noutras circunstâncias, nunca poria os pés nas secções de voto, mas que foi provavelmente decisiva na inesperada vitória obtida pelo PSOE. Escrever este texto é, para mim, um ano depois e sensivelmente à mesma hora, uma forma pessoal, ritual, se quisermos, de evocar o que se passou.
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