A polémica em torno do caso da “deputada-jornalista” Maria Elisa tem enchido páginas de jornal e, nas que leio, não encontro uma condução satisfatória do debate. Aquele que se tem feito no Parlamento, sublinho. Creio que este caso serve bem para mostrar como a arena legal e a arena ética se podem incompatibilizar em questões essenciais. Deixo alguns pontos para discussão. 1 - Vejamos as coisas do ponto de vista legal, onde a decisão de Maria Elisa não aparenta feridas: no Estatuto do Jornalista (que define as incompatibilidades da profissão no seu artigo 3º), não é referido o cargo de deputado. Nas alíneas e) e f) daquele artigo, declara-se que um jornalista não pode ser ao mesmo tempo “membro do Governo da República ou de governos regionais” nem exercer “funções de presidente de Câmara ou vereador”. Ao que parece, o Estatuto do Deputado também não define tal incompatibilidade. 2 - Do ponto de vista ético, a questão foi bem resumida por Vicente Jorge Silva, que em declarações ao Público de ontem, referiu que "a pessoa em causa deveria considerar que há conflito de interesse total entre o papel de actor [político] e espectador [jornalista]". No ponto 10 do Código Deontológico dos Jornalistas Portugueses, lemos que “O jornalista deve recusar funções, tarefas e benefícios susceptíveis de comprometer o seu estatuto de independência e a sua integridade profissional”. 3 - Do meu ponto de vista, esta é claramente uma questão ética e o aproveitamento da leitura restritiva da lei é uma maneira vergonhosa de tentar limpar o assunto. Não me parece que haja diferença entre “membro do Governo da República” e “deputado da Assembleia da República”..., mas é aqui que escarafuncham os juristas consultados, assim como no apuramento minucioso da definição de “funcionário” e “trabalhador” do Estado. Até pode ser que Maria Elisa ache que consegue manter a sua imparcialidade, até pode ser que a minha interpretação esteja errada e a deputada tenha intenções límpidas. Porém, recorro à velha máxima que diz que um jornalista não tem apenas que ser sério, mas também de parecê-lo. E isto parece muito pouco sério. 4 - Por fim, é certo que este debate tem imensas pontas. Desde que trabalho como jornalista que debato isto com colegas meus: que latitude tem esta demonstração de seriedade profissional? Se um jornalista não deve ser ao mesmo tempo deputado, até que ponto poderá ser sócio de um clube de futebol ou membro de uma associação ambientalista? Não é fácil dar uma resposta pronta a isto, pois não? Mas acredito que é preciso estabelecer fronteiras onde elas são mais necessárias – entre o exercício do poder político e o exercício da sua vigilância crítica. Se a lei não aclara isto, provavelmente é porque precisa de revisão.
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