Uma campanha triste Numa pequena viagem que fiz ontem à tarde, revisitei lugares que há 15 dias não via. Doloroso até mais não poder. Os bocados de mata que ainda se mantinham verdes no início do mês tinham-se evaporado. A mesma serra, que ardera pela metade, tinha, agora, o trabalho completado ou em vias disso. São quilómetros e quilómetros de terra escura. E sempre o mesmo fumo que faz o dia escurecer e o sol adquirir as cores do fim dos tempos. No regresso, uma auto-estrada cortada nos dois sentidos. Um desvio obrigatório por estradas secundárias e... novas manchas queimadas, novos incêndios, alguns deles mesmo a iniciar-se. Até agora, eu tendia a falar numa "quadra de fogos", instituída e naturalizada, assumida como dado inveitável e quase óbvio. Agora isto parece-me mais uma campanha, um furor em que convergem motivos e interesses diversos, cujo propósito poderá não ser acabar com as manchas verdes em Portugal, mas cujo resultado tende a ser exactamente esse. Do fundo da tristeza e da revolta apetece ser cínico e começar a identificar antes o que há ainda para arder. A normalidade é o fogo. Para retomar uma "petite guerre" deste Verão, sou dos que entendem que seria grave que os media deixassem de noticiar os fogos ou mesmo que não mostrassem imagens. Agora o que tem acontecido na maior parte dos casos da cobertura televisiva - e correndo o risco de ser injusto com quem anda no terreno - é o exemplo da não notícia. E isto precisamente porque a "normalidade" não é notícia. Como escrevia ontem Paulo Cunha e Silva no Diário de Notícias, "as televisões mostram todas os dias em prime time esta sequência monótona, como se o fogo fosse já um modo de vida. Uma extensão do nosso fado". O que o leva, e com razão, a falar, de uma "redundância infinita das imagens". Ora, quando há tal "redundância infinita" é de suspeitar que já não haja jornalismo. Os helicópteros que, em alguns casos, pelo menos, levam os repórteres a colher as estafadas imagens dos incêndios não poderiam servir para traçar panorâmicas e mostrar a catástrofe que, dia a dia, alastra no país? Para que servem os mapas, as infografias? Perante a gravidade da situação, não chega dizer que há tantos incêndios por controlar, tantos bombeiros a procurar controlá-los ou xis áreas de hectares consumidos. É preciso dizer às pessoas o que é que em cada momento se está a passar, de modo a que a informação seja útil para elas (veja-se este post do Abrupto), mas é necessário visualizar em imagens reais e em mapas o que se está a passar com este país. Se não se acorda agora, a experiência diz-nos que daqui a um ano cá nos encontraremos com as mesmas jeremiadas. (Crédito da foto, captada ontem: MODIS Rapid Response System / NASA)
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