As mortes de Francisco Adam, Miklas Fehér, João Paulo II, Amália, Álvaro Cunhal e da irmã Lúcia dão o mote ao próximo programa do Clube de Jornalistas que a Dois emitirá amanhã depois das 23h30. Para debater o modo como os media noticiam a morte, vão estar em estúdio Luís Ribeiro, jornalista da Visão, Miguel Gaspar, editor executivo do Diário de Notícias, e Manuel Villas-Boas, presidente do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas e jornalista da TSF. O programa é moderado por Carla Martins. Já noutras ocasiões escrevi sobre o tema. Transcrevo apenas alguns excertos de um desses trabalhos:
«Sofrimento derradeiro, a morte é, nos media, uma experiência velha. O carácter de noticiabilidade do fim da vida acompanhou toda a história do jornalismo, sendo critério de tratamento informativo de acidentes, catástrofes e crimes. No entanto, a experiência que hoje se tem da morte é radicalmente diferente da que se tinha quando a informação era veiculada sobretudo por escrito, em jeito puramente factual e com distanciamento efectivo do momento dos acontecimentos. A precipitação dos media para o centro dos acontecimentos, de que as potencialidades dos novos meios de comunicação foram inteiramente responsáveis, conferiu à morte um novo lugar no imaginário contemporâneo.
Sentir a morte que acontece é algo com que os media nos familiarizaram. Diz Susan Sontag que «captar uma morte que está a ocorrer e embalsamá-la para todo o sempre é algo que apenas uma câmara pode fazer». Fixar o desaparecimento de personalidades publicamente reconhecidas, bem como o apagamento de vidas, sobretudo no contexto de acontecimentos traumáticos, é vocação que os meios jornalísticos têm demonstrado com especial empenho. À cobertura de tragédias e de guerras de grande amplitude junta-se um interesse particular pelo sofrimento e morte de figuras públicas. A exibição do corpo morto e realmente embalsamado de João Paulo II não é de outra natureza. Inúmeras câmaras, fotográficas e televisivas, captaram esse corpo findo, cuja morte foi anunciada numa lenta agonia de que participaram os media de todo o mundo. Mediático na vida e na morte, Karol Wojtyla expirou nos próprios media, numa notícia demorada à espera da multidão que se prestou a orações e a homenagens, mas sobretudo a olhar a morte.»
«Não se esgotando em acontecimentos dramáticos da actualidade, a representação mediática da morte como expoente máximo da dor humana prolonga-se em reportagens sobre cuidados paliativos, sobre a solidão na velhice ou a condição quase indigna dos infectados com doenças condenatórias. Em todas, tem-se sobretudo uma atitude: olha-se a morte dos outros, porque fazê-lo é, no fundo, reconhecer a fatalidade da iminência inescapável da nossa própria morte.»
«Colocar a morte em perspectiva na notícia impõe necessariamente uma teoria dos efeitos da exibição da morte sobre o público. Desempenhando um papel que é também o de ser parte do ambiente do acontecimento, o público não é, no entanto, um agente passivo da emotividade gerada pela informação. São as suas próprias emoções que, tecnologicamente estendidas, fazem da morte um dos pontos de focagem predilectos dos meios de comunicação social. Talvez difícil de padronizar, contudo, o conhecimento dos efeitos sobre o público ajudaria a compreender por que é que os media nos mantêm olhando a morte dos outros.»
[excertos de um trabalho apresentado ao último congresso da SOPCOM, realizado na Universidade de Aveiro, em Outubro passado]
o curioso ? que h? quem viva destas teoriza??es a prop?sito de jornalismo