Eça e o jornalismo, ontem e hoje - III
« (...) O famoso Gorjão representava no partido dos Reformadores, a que ele de resto sempre pertenceu, o papel que desempenhava nas redacções dos jornais parisienses da Restauração o espadachim, tão poderosamente descrito por Balzac. O espadachim era ordinariamente um antigo oficial da Guarda Imperial, que a Restauração reformara, e que, levado à miséria, pelo absinto, o tabaco e as fêmeas, alugava a força do seu pulso e a sua destreza à espada a algum jornal de combate. De olho avinhado, voz catarrosa, bigode eriçado, grande casaco debruado de astracã até ao pescoço, cabelo à escovinha, chapéu ao lado, este personagem temeroso passava o seu dia na antessala duma redacção, queimando o cachimbo de espuma, repastando-se nos jornais de histórias de crimes e de roubos, e esperando que pessoas ofendidas subissem as escadas, a pedir a explicação de um artigo muito insultante ou duma calúnia muito directa. E se algum desgraçado aparecia, o feroz indivíduo erguia a sua enorme estatura, escarrava grosso no chão, e perguntava com voz agressiva e o olho raiado de sangue:
- As suas armas? Os seus padrinhos? Às ordens!
E, ou o ofendido recuava diante da medonha aparição deste cão de fila ? ou, ao outro dia, recebia, através duma entranha essencial, a lâmina infalível da sua espada (...)».
Eça de Queirós, O Conde de Abranhos, in Obras de Eça de Queiroz, Vol. III. Porto: Lello & Irmão Ed.,p. 375
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