TV, ficção, realidade e censura A decisão da Justiça brasileira de proibir a exibição do programa Domingo Legal é objecto de amplo tratamento no Observatório de Imprensa. O seu director, Alberto Dines , considera que a medida revela "o furor censório e a comichão autoritária que domina grande parte da magistratura brasileira", uma vez que "o réu só pode ser punido pelas infrações cometidas e não por aquelas que eventualmente cometerá". Por sua vez, no mesmo local, o jornalista e professor Muniz Sodré prefere analisar o fenómeno dos deslizamentos entre os terrenos da fição e os da realidade. "A verdade mesmo - observa - é que, na sociedade midiatizada de hoje, a mídia eletrônica pode ser tão alucinatória quanto um estupefaciente qualquer. A própria reação das instituições tradicionais acaba, sem disto se aperceber, entrando no jogo, ao se rearrumarem as coisas dentro da própria linguagem que o sistema televisivo entende e assimila: a da lógica empresarial". É ainda Muniz Sodré que recorda alguns casos recentes da televisão brasileira: 1. Há pouco mais de um mês atrás, todas as circunstâncias da filmagem da cena de uma personagem sendo morta por bala perdida numa rua da Zona Sul do Rio de Janeiro ("Fernanda", da telenovela Mulheres Apaixonadas, da Rede Globo de Televisão) foram tratadas pela imprensa como se fosse um fato do real-histórico. 2. Semanas depois de a cena ter sido transmitida ao grande público, uma passeata em favor do desarmamento, também na Zona Sul do Rio, contou, além dos populares de sempre, com a presença de atores dessa mesma novela, dentre os quais Tony Ramos numa cadeira de rodas, para simular o personagem que, na ficção eletrônica, ficara gravemente ferido em conseqüência do citado episódio da bala perdida. 3. Agora, em setembro, o programa Domingo Legal (Gugu Liberato, SBT) transmite uma entrevista, de aparência jornalística, em que dois supostos criminosos encapuzados fazem ameaças a autoridades e jornalistas de um outro canal de tevê. Diante da reação dos atingidos e das perspectivas de punição por parte dos órgãos competentes, o apresentador Gugu Liberato desculpa-se publicamente sem, entretanto, conseguir pôr um fim às mais variadas manifestações de indignação, uma das quais se traduziu no cancelamento de um patrocínio.
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