Filtragem intermédia Antonio Tabucchi, em entrevista a Albano Matos, no DN: "A mentira e a política têm antiquíssimas ligações, mas nos últimos tempos aquela tornou-se quase uma característica intrínseca desta. Veja-se o caso das armas de destruição maciça. Como é que os cidadãos podem reagir a esse duplo discurso do poder? Para já, não devem tomar todas as notícias vindas do poder central como se fossem a Bíblia. Manter a capacidade de duvidar, o cepticismo. Este também é um papel dos agentes da cultura, dos escritores, da informação, que, em vez de relatar de maneira passiva todas as notícias que vêm do poder central, faz uma filtragem. É perigoso quando uma notícia vai directamente do poder central para o consumidor, sem uma filtragem intermédia. Vivemos nesta contradição: nunca fomos tão esmagados pela sobreinformação e nunca vivemos numa sociedade afinal tão opaca. Que saída? Tanta informação que acaba por ser informação nenhuma. Como sair disto? O papel principal cabe sobretudo à imprensa escrita. Porque é importante dizer que se ateou um fogo na serra da Estrela, sim, mas também ficar a saber se foi fogo posto ou natural. (...) Retomando a velha questão de Sartre sobre o que pode a literatura perante uma criança com fome, pergunto-lhe: Que pode a literatura num mundo como aquele em que vivemos? Respondo como o fez outro escritor: se calhar, a literatura não serve para nada; mas é necessária. Ou então, citando o nosso querido Fernando Pessoa, quando diz que a literatura, como toda a arte, é a demonstração de que a vida não basta. A nossa mão chega até onde vai o braço. A literatura, como projecção do imaginário, vai mais além."
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