Relatos do vivido "Um belo dia, um chefe informou-me que me tinham destacado para uma entrevista com o José Saramago na manhã seguinte, por mor do seu novo livro, que estava no prelo: "Vai ser óptimo, saímos com a entrevista antes do Expresso". Passava-se isto naquele feliz outrora em que um novo romance de um escritor português - Saramago já era um incontornável, mas ainda estava longe do Nobel - era um acontecimento disputado pela imprensa. Perguntei: "Amanhã? E o romance, onde está? Como é que o vou ler?" O chefe olhou-me com um ar de desesperado enfado, encolheu os ombros e disse: "Lá vens tu com manias de intelectual. A função do jornalista é fazer perguntas. Do que trata o romance explica-te ele, amanhã. Já leste outros romances do Saramago, não leste? Então, pronto". Argumentei que tinha vergonha de entrevistar um autor sobre um livro novo sem o ter lido, o que deixou o chefe a vociferar contra a pesporrência da juventude, e zarpei para a editora a suplicar pelas provas do romance. E lá fiz a entrevista, depois de uma noite em claro - mas com as personagens na ponta da língua." Inês Pedrosa. Expresso/Única, 10.6.2005
0 resposta(s) para “”
Responder