Sobre os porquês de uma movimentação na blogosfera
Há algumas reflexões sobre a movimentação recente de mais de seis dezenas de blogues em torno de um comportamento concreto do jornal Público, que gostaria de partilhar, independentemente do que dirá esta noite José Manuel Fernandes. Assim:
- Em primeiro lugar, não quero admitir a hipótese de serem infundadas as informações que o Público deu em manchete, noticiando "negociações" entre Fátima Felgueiras (FF) e dirigentes do PS, para o regresso daquela a Portugal. Se tal fosse verdade, estaria ameaçada a confiança dos leitores no jornal.
- Contudo, quando o jornal, uma vez questionado de vários lados, para que esclarecesse o modo como actuou, se remeteu a um silêncio sepulcral, foi precisamente essa confiança que comprometeu, por deixar pairar no ar a ideia de que não tinha argumentos perante o extenso desmentido publicado por FF no Público.
- Não colhe o argumento segundo o qual não merecem consideração aqueles que põem no mesmo prato da balança as explicações e desmentidos de uma foragida à justiça (e dos dirigentes do Partido acusado) e os factos avançados pelo jornal como o Público. E isto porque os factos que ele divulga - e que revestem, evidentemente, uma altíssima gravidade - carecem de garantias de fiabilidade, para não correrem o risco de reforçar a estratégia da própria FF.
- De entre as garantias de fiabilidade que matéria tão sensível exige, destaco a explicação dos motivos ponderados pelos responsáveis do Público para darem a informação que deram, recorrendo a fontes anónimas. E, se possível, sinais consistentes de eventuais passos que tenham sido dados, no sentido de verificar as informações em fontes diversificadas.
- É condenável a prática, cada vez mais frequente, nomeadamente na esfera política e desportiva, de divulgar informações e opiniões recorrendo ao anonimato das fontes. Mas é admissível fazê-lo, em circunstâncias específicas, em que esteja em causa o interesse público. Mas desde que sejam dadas aos leitores salvaguardas que assegurem que não seja posto em causa o contrato implícito de confiança em que se funda a relação com o órgão de informação. Por esta razão é que não considero retórica a pergunta que coloquei há dias neste blogue.
- A iniciativa de várias dezenas de blogues de exigir explicações do jornal - interessa pouco como as coisas foram desencadeadas - constitui um processo saudável e demonstrativo de mudanças no campo comunicacional às quais, curiosamente, o Público até costuma prestar grande atenção, mas que, neste caso, preferiu ignorar olimpicamente (como, de resto, os outros media profissionais).
- Provavelmente haverá distintas motivações para a adesão de um número tão inusitado (e plural) de blogues. Mas, ao contrário de algumas insinuações, nunca houve, até este momento, tanto quanto me tenha apercebido, motivos ou objectivos publicamente invocados que não sejam de pura cidadania. Não se tratou de uma movimentação contra o Público ? jornal que grande parte dos blogues aderentes aprecia e deseja que cada vez tenha mais qualidade - mas de crítica a um determinado comportamento desse jornal.
- A movimentação da blogosfera neste caso constitui um indicador e um sintoma de uma realidade que mudou: os media profissionais continuarão a ter o poder de marcação da agenda, mas não têm mais o monopólio da palavra e conviver com esta realidade constitui um desafio para todos os actores sociais: tanto os profissionais dos media como os intervenientes dos novos media.
- Parece-me, finalmente, um sinal positivo que seja num espaço de debate como o "Clube de Jornalistas", na 2:, que este caso, finalmente, irrompe no terreno dos grandes media, embora não como tema de confronto de ideias, mas, pelo menos, como motivo para o esclarecimento da parte do Público. O caricato da situação é que, quando essa questão for colocada, provavelmente boa parte dos telespectadores estarão a leste do que se passou e da envergadura do movimento gerado.
Good post
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