Ainda os cartoons sobre Maomé: Os valores e os modos de os promover Sobre a divulgação dos cartoons representando o profeta Maomé, creio estar a haver alguma confusão de planos. Julgo que ninguém de bom senso ousa pôr em causa a liberdade de expressão e de criação, antes deseja que essa liberdade se estenda a todo o planeta. Por liberdade não entendo apenas a publicação, mas a aceitação da contestação e o confronto de argumentos entre diversas sensibilidades. Ao longo da História da humanidade já se lutou e morreu por causa das imagens. O que hoje vemos não é tanto a ilustração de que a mesma humanidade se encontra em diversos pontos de um mesmo percurso - como se poderia supor a partir de uma visão teleológica da História. Sendo certo que a mesma água não passa duas vezes sob uma ponte, não é menos certo que, num quadro de relações globais e de encontros e desencontros culturais, a História não é irreversível. Um sinal de enviesamento de algumas análises que têm sido feitas a propósito dos cartoons está em que, precisamente em sociedades que se afirmam arautos da liberdade de expressão, valores "mais altos" como a segurança, a luta contra o terrorismo ou a pressão de um cristianismo fundamentalista têm vindo a pôr em causa as mesmas liberdades (com a diferença de que ainda vai sendo possível denunciar essas limitações). No caso em presença, não me parece que a questão revista a simplicidade que lhe atribui um homem inteligente como é Pacheco Pereira, quando escreve que esta "é uma questão de liberdade. Ou há, ou não há". Se a realidade fosse assim cristalina... Mas não é! Mesmo cá, ainda temos muito a aprender no que toca à liberdade. E um uso ostensivo e arrogante da liberdade pode ser, nos seus efeitos, uma ameaça à própria liberdade. É por isso que me parece necessário distinguir, no caso dos cartoons sobre Maomé, entre a primeira publicação e a "onda solidária" que se lhe seguiu: em muitos casos a divulgação acobertou-se pudicamente no argumento de que era preciso mostrar às pessoas o que estava no centro da polémica; noutros casos, de forma mais assumida, quis-se fazer peito, arvorando uma solidariedade que - em alguns casos, pelo menos - raiou a provocação. Ora isto, julgo, pouco tem a ver com liberdade. [Um sinal desta liberdade encontra-se no confronto de posições que, a propósito da posição de Pacheco Pereira, se estabeleceu entre os leitores do Abrupto. E às quais PP tem vindo a dar espaço].
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