"(...) Há uns anos, no JN, ao escrever um texto para comemorar a data [do 25 de Abril de 1974], resolvi não enveredar pelo caminho da grande política (a guerra colonial, a PIDE, a censura, o partido único), mas sim mostrar aos mais jovens o desconforto, a insatisfação, de pessoas como eu que, em Portugal, se sentiam como filhos de um Deus menor. Falei de um regime que me dizia que filmes ou peças teatrais podia ver, ou não, que revistas e jornais podia ler, ou não, que países podia visitar, ou não. Falei de coisas abstrusas de um regime que proibia a Coca-Cola, que nos liceus não misturava meninos e meninas, que exigia (oh, supremo ridículo!) licença de uso e porte de... isqueiro (...)". Sérgio de Andrade, Eu Comemoro. Jornal de Notícias, 25.4.2006
Memorabilia
Porque esta ? a derradeira noite das trevas. Porque esta ? a noite do tempo das pessoas que ainda n?o podiam falar. Porque esta ? a noite das sombras de quem ainda n?o sabia que se podia falar. Porque esta ? a noite do tempo em que a escrita n?o era mais do que um macabro passaporte para o derradeiro ex?lio. Pois este ? o tempo da treva, em que cada um enterrava em si pr?prio o sepulcro dos seus mais dolorosos pensamentos.
Este ? o tempo da vig?lia. ? a Noite. ? o espa?o c?smico da Mem?ria. ? o lugar de lembrar os que morriam s? por sonhar. O lugar dos que passavam os dias e as noites e as noites e os dias sem luz, e afundados nas mais h?midas celas dos fracassos desta na??o medieval. ? o tempo em que os Portugueses eram os Iraquianos de outras d?cadas atr?s. ? o tempo em que os jovens se encerravam em cubos ardentes de campos de concentra??o tropicais. ? o tempo em que ainda havia leis que impediam de se andar descal?o nas ruas, mas permitiam que tantos descal?os palmilhassem as sombras dessas mesmas ruas.
? o tempo da noite das bocas cerradas. ? o tempo dos mutilados. ? o tempo dos que voltaram sem olhos, e sem m?os e sem pernas. ? o tempo dos sentados para sempre em cadeiras de rodas de um Regime Im?vel. ? o tempo dos que enlouqueceram com o que viram. ? o tempo dos que nunca regressaram. ? o tempo dos que ficaram sem rasto e sem despojos. ? o tempo de uma M?quina Infernal que finalmente ir? tombar.
Esta noite ? um tempo de nojo e de vig?lia. ? a noite em que a Voz se erguer? ao fundo, at? clamar, por entre as cinzas, por todas as cores do Universo. Esta ? a maior noite da nossa mem?ria colectiva. Esta ? a noite de agradecer. E de dizer "obrigado" a todos os nossos amigos que nos permitiram, nesse tempo, escrever agora assim.
Esta ? a noite de um tempo que NUNCA MAIS poder? voltar.
Obrigado.
Em cada grito de cada homem, em cada grito de medo soltado por uma crian?a ou?o o ruido das "corretentes" que forja o esp?rito.
Neste blog vi filhos de um deus menor que "choram" todos os dias: www.aspigcentro.blogspot.com
Val apena ver...
Um abra?