Retomando a ideia do post anterior (assinado por Felisbela Lopes) relativamente à tendência dos media para espectacularizar a morte, diria que a morte se impõe nos media por um "fazer-se sentir", um imperativo de participação colectiva na dor alheia. Foi assim com a morte da Lady Di, com a morte de Féher e com a morte de João Paulo II. A morte é o climax da tragédia e tem uma propriedade essencialmente aglutinadora (a morte é afinal a única vicissitude inevitavelmente comum a todos os homens). É, por isso, insistentemente perseguida pelos media, sendo, aliás, por norma uma notícia demorada. Nesta lógica de uma espécie de "jornalismo de luto", o que os media fazem hoje é também prolongar o nosso próprio sofrimento. Sabendo, porém, que esta abertura da dor da morte ao espaço público muito convém aos media, seria ingénuo encerrar as transmissões em directo num gesto de pura solidariedade. Talvez valesse, pois, a pena procurar perceber por que é que os media nos mantêm olhando a morte dos outros. É que, como diz hoje Miguel Gaspar no DN (a propósito da transmissão em directo do funeral de Francisco Adam), «no luto televisivo, o pudor deixou de envolver a morte: tudo tem de ser exposto para que a ilusão continue. E a morte seja apenas um episódio que já passou.» Apetecer-me-ia parafrasear Vergílio Ferreira:
«O que mais me intriga e dói na nossa morte, como vemos na dos outros, é que nada se perturba com ela na vida normal do mundo. Mesmo que sejas uma personagem histórica, tudo entra de novo na rotina como se nem tivesses existido. O que mais podem fazer-te é tomar nota do acontecimento e recomeçar. (...) Repara no que acontece com a morte dos outros e ficas a saber que o universo se está nas tintas para que morras ou não.»
Nao conhecia este texto de Vergilio Ferreira, mas acho muito bem certeiro. No entanto, embora seja verdade que o universo est?-se nas tintas, a familia, amigos, etc. n?o...Sofrem muito! Mas mesmo assim, para eles a vida continua...