Eça e o jornalismo, ontem e hoje - IV « (...) S. M. [Sua Majestade] concedeu-a [a dissolução do ministério] – o que produziu aquele artigo célebre do Estandarte, jornal do governo dos bexigosos, que ameaçava S.M. com a sorte de Luís XVI ou de Carlos I, exactamente oito dia depois do artigo em que o mesmo jornal comparava S. M., pelas virtudes, a Tito, pela justiça, a S. Luís, e pelo respeito da Constituição, à Rainha Vitória! A resposta do Globo, jornal do Dr. Cardoso Torres, foi enérgica! Dizia que só se podia responder com um chicote a um jornalista que ameaçava com o cadafalso S. M. que, pelas virtudes, estava muito acima de S. Luís, e, pelo respeito da Constituição, era incomparavelmente superior a Sua Graciosa Majestade a Rainha Vitoria – eloquente artigo, e que apareceu exactamente 15 dias depois doutro, violento, em que, então na oposição, o redactor do Globo, inspirado pelo Dr. Cardoso, dava claramente a entender que o fim provável de S. M. seria a guilhotina de Luís XVI, ou pelo menos o cadafalso de Carlos I ! Pondo em relevo estes factos, eu não quero, por forma alguma insinuar que haja na imprensa política falta de sinceridade, de lógica ou de dignidade. Quero apenas fazer sentir a perniciosa influência da ambição e da paixão em espíritos cultos. Creio, porém, que S. M., ao ver-se alternadamente destinado, pelo mesmo jornal, ao cadafalso de Luís XVI ou à canonização de S. Luís, decerto nem experimentaria nem terror, nem vaidade, pois que nenhuma destas ameaças representavam o desejo íntimo do jornalista, mas eram apenas a explosão duma cólera biliosa ou dum reconhecimento enternecido, e, muitas vezes mesmo, uma manobra útil na táctica da vida política (...)» Eça de Queirós, O Conde de Abranhos, in Obras de Eça de Queiroz, Vol. III. Porto: Lello & Irmão Ed., p. 358
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