Eça e o jornalismo, ontem e hoje - VI «Bristol, 23 de Maio de 1888 Querido Joaquim Pedro [Oliveira Martins] (...) e agora entro no assunto ? que é literatura. Tenho aqui, para ti, isto é, para o Repórter, dadas certas condições, uma imensa quantidade de prosa. De facto, todo um livro. Livro, porém, que se pode publicar aos bocados, todas as semanas, sem lhe prejudicar a unidade e o interesse. Compreenderás quando eu te disser que se chama ? Correspondência de Fradique Mendes. Trata-se, como desde logo deduzes, de fazer para Fradique (não sei se te lembras deste velho amigo) o que está na moda fazer a todos os grandes homens que morrem ? publicar-lhe as cartas particulares. Fradique foi um grande homem ? inédito. Eu revelo-o aos seus concidadãos, publicando-lhe a correspondência. Se bem te recordas dele, Fradique, no nosso tempo, era um pouco cómico. Este novo Fradique que eu revelo é diferente ? verdadeiro grande homem, pensador original, temperamento inclinado às acções fortes, alma requintada e sensível...Enfim, o diabo! Tudo isto, até aqui, vai muito bem em relação ao jornal ? porque nada mais conveniente do que publicar todas as semanas, ou pouco mais ou menos, algumas destas cartas. Somente eu não podia editar a correspondência de Fradique, sem a preceder dum estudo sobre esta singular personalidade. Ora este estudo não pode ser fragmentado ? quero dizer, tem de aparecer seguido e a seguir. E ele compreende, pelo menos, dez artigos. Que queres tu? Eu conheci tanto este homem, tenho tantas coisas a contar dele, tão curiosas!... Como publicar, porém, dez artigos a seguir? No folhetim não pode ser, porque se não pode interromper o romance, nem eu quero que o estudo crítico sobre um tão grande homem apareça nesses baixos de jornal, destinados à imaginação e à novela. No primeiro artigo também não pode ser, porque isso altera a feição mesma do jornal, que para cada dia tem o seu tenor. A mim lembra-me publicar o primeiro artigo desse estudo no começo do jornal e continuar o resto no corpo do jornal, depois dos Ecos e Notícias. O pior é que talvez não haja espaço ? com a imensa verborreia das Câmaras!...Enfim, tu dirás. E é este o primeiro ponto a resolver (...)». Eça de Queirós, Correspondência, in Obras de Eça de Queiroz, Vol. III. Porto: Lello & Irmão Ed., p.579-80
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