Eça e o jornalismo, ontem e hoje - VII «Bristol, 23 de Maio de 1888 Querido Joaquim Pedro [Oliveira Martins] “ (...) Há porém um outro ponto que enceto já – ainda que não sei se tu és a pessoa competente para o resolver. Jaime Séguier, quando me convidou para escrever no Repórter, pretextou a pobreza de jornal que começa, e ofereceu-me duas libras por artigo de duas colunas. Eu tenho escrito artigos de cinco colunas – mas isso é só culpa da minha loquacidade. Ora, querido Joaquim Pedro,, por duas libras não vale a pena estar a manufacturar imensas talhadas de prosa.. Elas dão-me um grande trabalho – e nos jornais do Brasil produzir-me-iam o dobro. Por outro lado, eu não quero fazer exigências judaicas a um jornal que luta pela vida – e que há-de lutar, mesmo que passe às mãos dinheirosas de O´Neill. Como combinar tudo, portanto, interesse e sentimento? Ocorre-me um meio fácil e fazível: é publicar estas fradiquices simultaneamente no Repórter e na Gazeta de Notícias, comendo assim a duas prosas. Nem Gazeta nem Repórter perdem nada com isso. Eu combino as remessas de sorte que cada artigo saia no mesmo dia, ou pouco mais ou menos, em Lisboa e no Rio de Janeiro. E como quinze dias de mar separam providencialmente essas duas colmeias de lusitanos, segue-se isto: - que, quando a Gazeta chegue a Lisboa com artigo meu, já esse artigo tem aparecido no Repórter há quinze dias, que é como se disséssemos há quinze anos; e quando o Repórter chegue ao Rio de Janeiro com artigo meu, já esse artigo tem aparecido na Gazeta há quinze dias, que é como se disséssemos há quinze séculos – porque lá é tudo em ponto maior. Ora nota, além disto, que nem a Gazeta tem um único assinante em Lisboa – nem creio que o Repórter tenha mais de dois no Brasil. De sorte que os dois jornais têm o que precisam ter – que é, em certo dia, o seu artigo novo: e eu tenho os duplos proventos. Esta ideia é inglesa: isto é, os escritores ingleses fazem nos magazines e revistas estes cambalachos de prosa, entre a Inglaterra e a América. E é considerado um meio muito prático. – Diz, portanto, e já, se esta combinação convém ao Repórter. (...)». Eça de Queirós, Correspondência, in Obras de Eça de Queiroz, Vol. III. Porto: Lello & Irmão Ed., pp. 580-581
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