Construtores da realidade? Afirma Joaquim Trigo Negreiros, em entrevista ao DN de hoje, a propósito do seu recente livro "Fantasmas ao Espelho": "(...) alguns [jornalistas] assumem-se como expositores da realidade, encaram a sua actividade como uma descrição dos factos, e são também interpretativos. Outros, para além da descrição, assumem uma capacidade interventiva na realidade: são interventores ou correctores. A minha própria concepção é que os jornalistas não são apenas expositores e correctores, são agentes da definição do que é a realidade. Mas muitos rejeitam essa ideia do jornalismo como construção da realidade social". "Qual é então o papel dos jornalistas?", pergunta Madalena Esteves, jornalista entrevistadora. E a resposta: "Os jornalistas conferem sentido ao mundo, atribuem significado aos factos e ocupam o lugar que anteriormente pertencia à tradição e aos filósofos". Um breve comentário: Uma boa parte dos jornalistas - no "Público", onde Joaquim Negreiros fez a sua pesquisa, não parece ser diferente - convivem mal com a ideia de que são mais construtores do que reflectores da realidade social. Numa análise mais atenta, não custa muito compreender o porquê. Uma cultura da tarimba, que, apesar de tudo ainda vigora (ainda tem vigor), mesmo entre os que vêm das "academias", agarra-se à crença positivista de que é possível contar as coisas "tal como aconteceram" ("es wie eigentlich gewesen", no dizer de Leopold von Ranke, a propósito da historiografia, que se debateu com o mesmo problema). As reticências à perspectiva construtivista são provavelmente um quase reflexo condicionado contra o medo da acusação de falta de rigor ou, numa perspectiva mais positiva, uma expressão da aposta no rigor. Ora o jornalismo é sempre enunciação da realidade, seja pela palavra, pela imagem, pelo som, ou pela combinação de todos estes meios. E as enunciações podem ser mais ou menos ricas, cuidadas, rigorosas. Ao dizer-se que os jornalistas são "construtores da realidade social" está-se a fazer uma interpretação do seu papel. Não se está a acusá-los de nada.
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