O director do Público, José Manuel Fernandes, escreveu uma carta aos jornalistas do diário, na qual defende a premência de uma refundação do jornal. "É necessário pôr tudo em causa e pensar tudo de novo. Tudo e em todos os sectores", sublinha. A carta, que considero muito interessante, foi publicada pelo site do Clube de Jornalistas e merece, de facto, ser conhecida. Penso que José Manuel Fernandes toca nas questões essenciais (cito mais abaixo algumas perguntas de entre aquelas com que, na missiva, confronta os seus colegas de profissão). Como leitores e como cidadãos, esperamos pelos resultados da "convocação" do director do Público e desejamos que surjam ideias inovadoras e viáveis, que abram uma nova e criativa etapa na vida do jornal. Há, contudo, um ponto essencial que representa poderoso handicap neste louvável propósito de repensar o diário. José Manuel Fernandes, ao escrever aos seus colegas, faz deles os interlocutores privilegiados para o empreendimento a que se propõe. E são-no seguramente. Mas não são os únicos. Os leitores deveriam ter também uma palavra decisiva a dizer. "(...) [N]ão mudámos tanto como o mundo e o país mudaram nestes 16 anos, antes nos acomodámos a rotinas e criámos hábitos que não nos permitiram fazer a pergunta essencial: é o Público que fazemos o Público que os leitores querem?" , interroga-se José Manuel Fernandes. E que Público é que os leitores querem? É a pergunta que podemos e devemos fazer e que os responsáveis daquele diário deveriam querer escutar. Se há linha claríssima que se recorta nas mudanças observáveis nos media, nos últimos cinco anos (para não ir mais longe) é precisamente esta auscultação e esta conversação com o público que não pode ser visto nem como mera clientela, nem como massa desprovida de ideias. Pode ser demagógico falar assim dos "leitores" ou dos "públicos" em abstracto. Mas é possível identificar rostos - de pessoas, de instituições, de pontos de vista - nesse público. Se assim é, porque é que o Público, ao pretender colocar-se em questão, não leva o seu exercício mais longe e coloca a questão ao público? As perguntas do director do Público (por que diabo hão ser dirigidas apenas aos jornalistas?):
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O Enterro da... "Coisa"
Com a presen?a da Mentirosa, que nos governa, mais do lastro que ela conseguiu, embora "in extremis", eleger para Bel?m, o Futebol foi a enterrar.
Gostei de ver os pol?cias, em servi?o, -- muitos deles licenciados que n?o arranjaram mais postos de trabalho -- a saltarem das suas poses de buldogue, para irem pedir o aut?grafo do "X" aos gajos do chuto.
Porque eles vinham todos engravatados, e, ? dist?ncia, at? pareciam os escravos em s?rie do Millennium-BCP, t?o bem retratados no "Psicopata Americano", do Easton Ellis. O problema come?ava com os "zooms", quando, de repente, apareciam todos os defeitos de s?culos de mesti?agem, o ?lcool das fam?lias e o rasto da m?-alimenta??o.
De qualquer maneira, estava ali todo um projecto cultural, uma radiografia etnogr?fica, um diagn?stico psicol?gico, um solu?o social, uma radiosa promessa de futuro: Portugal acompanhava ? campa a ?nica coisa em que tinha apostado toda as suas energias, durante dois infind?veis meses. Como costuma dizer o padre, unidos para a vida e para a morte. ?amos a enterrar, mas moralmente vencedores, como j? nos aconteceu, in?meras vezes, no terceiro, e ?ltimo per?odo da nossa j? longa Hist?ria: uma primeira ?pica, da Reconquista; uma segunda, da Expans?o, tamb?m conhecida pelo Tempo-da-R?-que-quis-ser-Boi, como diziam os Integralistas Lusitanos, e o pr?prio Cam?es deixou, na forma de lamento e suspeita; e a Terceira, a do Entrevadinho, do ai-jesus, do sebastianismo do vir?o-dias-melhores.
E eu, ali sentadinho, a fazer crochet, diante do ?cran plasma, s? me vinha ? ideia que, como eu, havia mais dez milh?es de papalvos, tamb?m sentados, a fazerem crochet f?sico e mental, e a acompanharem aquela derradeira marcha, que terminava nos Campos El?sios do Est?dio Nacional, a relembrar as fontes salazaristas do... Fen?meno: o Eus?bio, a descer do avi?o, o tarso da Am?lia, trazido num sacr?rio de vidro, a Senhora de F?tima, toda embrulhada em suplementos do "Expresso", para n?o se partir -- h?-de vir o dia em que, com tantas viagens de acompanhamento da Selec??o, o servi?o de bagagens venha dizer, com ar pesaroso, que aquilo se converteu num monte de cacos, mas que podem enviar uma reclama??o ? administra??o, para pedir uma devolu??o, em dinheiro...
Enfim, nos Campos El?sios, mostravam as c?maras, at? havia mulheres, "gaijas", como eles dizem, que, entretanto, merc? do amadurecimento nacional, j? come?aram a perceber que aquilo ? mais um espa?o para, as que ainda o n?o t?m, ca?ar marido, e as que o j? t?m, impedir que eles v?o depois ?s putas, que estas coisas andam sempre para a par.
Tamb?m me lembrei da Dona Lurdes e do Mariano Gago: filhos, deixai-vos de aleivosias, e apostai antes no que est? a dar: cada jovem, em idade de constru??o, n?o tem mais nada do que aquilo na cabe?a, substituir os pontap?s na av? por uns quantos chutos na bola, sucesso r?pido, merc? de pavonear um aspecto f?sico que ele, e as c?maras, acham incompar?vel, -- neste pa?s j? fomos todos toureiros, somos agora todos futebolistas e modelos, e o problema da Est?tica, a duvidar, desde Baumgarten, est? ali todo resolvido, no garbo de alguns pares de pernas curvas e canejas, e numa m?ozada de gel, a cuspir no ch?o -- arranjar depois uma "barbie", para mostrar que se n?o tem... enfim... defeito, mas uma "barbie" igual ? dos outros, claro, para se mostrar que tamb?m se ? como o outro -- ah, a l?gica da protec??o de grupo, como j? estava tudo nos estudos do comportamento animal!... -- e demonstrar, a quem entende do assunto, que o prot?tipo da l?bido deles n?o vai al?m de uma coisa parecida com a Cinha Jardim, uma andaluza, mas nascida no Bairro do Zambujal, descolorada, e no sentido do louro, para parecer uma n?rdica, e em cabeleireiros bem mais caros, e j? apta para desempenhar a fun??o do "buraco", ou seja, de baliza, depois da meia-noite, quando t?m tempo para l? ir, durante os c?lebres dois minutos. Tudo o resto contar?o como "penalties", e sempre por fora.
A partir da?, como dizia o Baudelaire, ser?o s? luxos, calma e vol?pia, altos carros, altas gajas, brutas vivendas, altas vidas e meio neur?nio. O sonho de cada Portugu?s ?, afinal, tornar-se igual ?quela d?zia de suburbanos, e o resto s?o cantigas, choques tecnol?gicos, investimentos virtuais e pseudo-reformas de 500 irrecuper?veis anos de atraso.
Ao lado deste cortejo todo, seguiam dois dos meus ?dolos, S?crates e Cavaco, o primeiro, a representar a mis?ria presente, o segundo, a testemunhar a mis?ria passada. Salazar sonhara com um pa?s sepulcral de monumentos e gentes servis, a calcorrearem longas estradas estreitas, calcetadas com paralelip?pedos de basalto e granito; estes sonharam com uma enorme Marginal, mal betuminada, com umas quantas cargas de bet?o ? volta, e um enorme descampado -- at? Espanha -- nas traseiras.
Mais grave do que tudo isto, ? que eu estou para aqui a ladrar estas evid?ncias, e tamb?m j? perdi 15 minutos do meu tempo, que at? s?o equivalentes aos dois meses em que esta porcaria ainda parou mais do que j? estava parada: e, enquanto n?s nos entretiv?mos nisto, todos os pa?ses, que andaram fora deste disparate, nos ganharam mais dois meses de avan?o, e, no que a mim respeita, algures, num pa?s civilizado, diante de um computador, eventualmente id?ntico ao meu, algu?m tamb?m me ter? descaradamente passado, com um sorriso, malandro, 15 minutos ? frente.
Acontece.